[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

sábado, 9 de abril de 2022

[2791.] JOAQUIM ANTÓNIO DOS SANTOS SIMÕES || 1923 - 2004

* JOAQUIM ANTÓNIO DOS SANTOS SIMÕES *

[1923 - 2004]


"Não me esqueçam"

Professor, afastado por motivos políticos do ensino em Agosto de 1961, notabilizou-se não só enquanto antifascista e pedagogo, mas também pela extensa, intensa e contínua atividade cultural, cívica e política desenvolvida, antes e depois do 25 de Abril de 1974, estando a sua memória bem presente em todos os que com ele conviveram, sobretudo em Guimarães, cidade onde residiu, viveu e interveio durante meio século.

Joaquim António dos Santos Simões nasceu no Espinhal - Penela, Distrito de Coimbra, em 12 de Agosto de 1923. Estudou na Universidade de Coimbra, onde se licenciou em Matemática e fez o curso de engenheiro-geógrafo. 

Aos 23 anos, integrou o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), sendo diretor, encenador, ensaiador e ator, percurso natural para quem se tinha iniciado na representação aos 15 anos na sua vila de Espinhal. Ainda em terras do Mondego, envolveu-se, entre 1944 e 1947, nas reivindicações estudantis, participou, em 1946, no MUD Juvenil, apoiou, em 1949, a campanha de Norton de Matos, sendo seu delegado eleitoral da freguesia se Almalaguês, ano em que também integrou a Comissão Diretiva da AAC. 

Em 1950-1951, foi o Presidente eleito da Direção da Associação Académica de Coimbra. Continuou ligado ao teatro, fazendo diversas digressões no âmbito do TEUC e, em 1956, ainda passou pelo Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC).

Casado, desde 1956, com Maria Açucena Neves Simões e já identificado pela PIDE, cujos primeiros registos datam de 1947 de um total de cerca de dois milhares de documentos, passou a viver em Guimarães em 1957, quando tinha 34 anos, aí falecendo em 2004.

Nesta cidade de adoção de mais de 50 anos, ensinou e dinamizou o associativismo local, primeiro pela via do teatro, a par da luta política. Em 1957, ano em que começou a lecionar Matemática na Escola Comercial e Industrial, integrou-se no já existente Grupo Musical "Ritmo Louco", onde encenou peças e, dois anos depois, em Maio, empenhou-se na sua transformação em Círculo de Arte e Recreio (CAR), através do qual fundou, em 23 de Maio de 1959, o Teatro de Ensaio Raul Brandão (TERB), muito contribuindo para a preservação da memória e legado do escritor-patrono.

Posteriormente, em Dezembro de 1961, esteve associado à criação da Livraria Raul Brandão, situada inicialmente na Avenida Conde de Margaride e, depois, na Rua de Santo António, tal como outros democratas do Grupo de Braga e antifascistas de Guimarães como António Cosme, António Ribeiro, Eduardo Ribeiro, Paulo Dias de Castro, Sá Tinoco, Salgado Lobo, Vítor de Sá e Vieira de Andrade. Para além de dar visibilidade ao escritor, revelou-se um importante polo cultural através dos livros que promovia, muitos deles proibidos e entregues em casa de forma a escapar à vigilância da PIDE, a par de outras iniciativas.

Em 1958, ano em que também apoiou ativamente a campanha presidencial de Humberto Delgado, que teve a expressiva votação local de 40,8%, esteve na fundação do Cineclube de Guimarães, concretizado em Abril enquanto Clube de Cinema de Guimarães. As primeiras sessões públicas aconteceram logo em Maio.

A sua militância cultural vimaranense, abrangendo a cidade, o concelho e o próprio distrito de Braga, revelou-se ininterrupta e abrangente: organizou, em 1958-1959, os Festivais de Gil Vicente; aderiu às atividades da Associação Convívio, através da qual criou os Encontros Minho-Galaicos; interveio na Associação de Socorros Mútuos Artística Vimaranense; e presidiu, em 1960, à Sociedade Musical de Guimarães. A partir de 1961, passou a coordenar o suplemento cultural mensal Artes e Letras do jornal Notícias de Guimarães, cujo diretor, editor e proprietário era António Dias Pinto de Castro. Também foi o impulsionador da instalação de uma Biblioteca Fixa da Fundação Calouste Gulbenkian, de leitura domiciliária, a número 127, inaugurada em 3 de Outubro de 1966 após mais de dois anos de contactos pessoais e institucionais.

Sessões dinamizadoras de literatura, de cinema e de música faziam parte da multifacetada intervenção cultural de Joaquim Santos Simões, perdurando localmente por décadas.

Docente de Matemática, o afastamento compulsivo do ensino público e particular no início da década de 1960, mais concretamente em Agosto de 1961, enquanto "inimigo do Estado Novo", contribuiu para o enorme incremento da militância política, integrando e dinamizando todas as iniciativas locais da oposição, em rutura com os velhos métodos e ideais de luta dos republicanos vimaranenses.

Na sequência das eleições de 1958 e, sobretudo das de 1961, Joaquim dos Santos Simões aproximou-se do Grupo dos Democratas de Braga, formado, entre outros, por Eduardo Ribeiro, Humberto Soeiro, Lino Lima e Vítor de Sá, cuja intervenção política de oposição ao regime fascista tanto marcou aquele distrito. A partir de 1963, a sua intervenção política ativa ganhou outra visibilidade, colaborando de forma organizada com Eduardo RibeiroHumberto Soeiro.

Em Junho de 1965, o seu livro de contos Suavemente Grande Avança foi proibido e apreendido.

Meses depois, estava na preparação e apresentação de uma lista da Oposição pelo círculo eleitoral de Braga às eleições legislativas de 7 de Novembro de 1965.  Composta, inicialmente, por António Emílio Brochado, António Marinho Dias, António Pinheiro Braga, Eduardo Ribeiro Martins, Humberto Soeiro e Guilherme Branco, os dois últimos nomes foram considerados inelegíveis pelo Governo Civil e substituídos. Apesar da desistência noutros círculos, a lista de Braga apresentou-se às eleições, ficando sob apertada vigilância, intimidação e repressão política e policial.

Há muito vigiado, com sucessivas informações na PIDE, foi preso em 4 de Abril de 1968, quando se preparava para se deslocar em trabalho político a França, juntamente com Lino Lima. Encaminhado para o Porto e, depois, levado para Caxias no dia 10, onde ficou em regime de "isolamento contínuo", recebeu, então, a solidariedade de anónimos e de figuras públicas de Guimarães, Braga, Famalicão e Penela que subscreveram telegramas endossado ao Ministro do Interior a solicitar a sua libertação. 

Seria libertado em 23 de Abril, por falta de "elementos bastantes para o indiciar", assim como a Lino Lima, "pelo crime contra a segurança interior do Estado".


Nesse mesmo ano, publicou Engrenagens do Ensino, área por que se passou a interessar de forma sistemática e interventiva, defendendo o conceito do professor como cidadão-educador e a necessidade de uma educação para a cidadania democrática. Por isso, a sua comunicação ao II Congresso Republicano de Aveiro, realizado em Maio de 1969, intitulava-se "A democratização do ensino em Portugal e o Ensino Particular".

Ainda nesse ano, depois de integrar a Comissão Executiva da CDE no distrito de Braga, foi candidato às eleições legislativas de 26 de Outubro, juntamente com António Marinho Dias, Humberto Soeiro, Lino Lima, Margarida Malvar e Vítor de Sá, cabendo-lhe a redação do documento "Política de Educação".  Eduardo Ribeiro e José Sampaio tiveram de substituir Humberto Soeiro e Vítor de Sá, rejeitados pelo regime, obtendo a lista da CDE 20% dos votos em Guimarães, resultado bem superior ao do total do distrito.

Desde então, a sua produção e intervenção pública na área do ensino e da educação ganharam grande destaque, fazendo conferências, dando palestras, participando em colóquios, congressos e mesas-redondas, moderando debates, interagindo em reuniões e sessões um pouco por todo o país. Em Abril de 1970, publicou Mas o melhor do mundo são as crianças  - para uma compreensão da situação materno-infantil no concelho de Guimarães, livro também rapidamente proibido e apreendido.

Na sequência dos debates em torno da proposta de reforma do sistema educativo por Veiga Simão, publicou, em 1971, o livro Ensino - Projeto de Reforma ou Reforma do Projeto?, correspondendo à recolha das suas intervenções

A intervenção política continuaria intensa. Assumiu, em 1972, a Presidência Portuguesa do Conselho Mundial da Paz, organização criada em 1949 que reclamava a paz, a coexistência pacífica e o desarmamento nuclear.

Em Abril de 1973, participou, como organizador e orador, no III Congresso da Oposição Democrática, subscrevendo a Tese "A igualdade de oportunidades para as crianças exige a igualdade social dos adultos"; encabeçou, ainda, o desfile duramente reprimido pelas forças policiais.

Com o derrube do fascismo, esteve na construção do regime democrático. No dia 26 de Abril discursou de uma varanda aquando da grande manifestação popular no Toural. Reintegrado no ensino oficial em Outubro de 1974, retomou a docência na Escola Industrial e Comercial de Guimarães, futura Escola Secundária Francisco de Holanda, pertenceu à Comissão Instaladora da Universidade do Minho, empossado em Fevereiro de 1975 e, enquanto ativista do MDP/CDE, foi eleito, nas listas da FEPU e da APU para a Assembleia Municipal de Guimarães. Proposto por aquele partido para Governador Civil de Braga e, depois, para Ministro da Educação do II Governo Provisório, o nome seria rejeitado pelo general Spínola.

Homem de causas, cultura, cidadania e afirmação política fundiam-se num mesmo projeto de vida, onde o debate e a discussão estavam sempre presentes: "tudo o que fez foi em prol de uma sociedade mais justa. Uma sociedade em que as pessoas vivam com dignidade, na sua aceção mais abrangente...", como realça a filha, Maria Isabel das Neves Santos Simões, no depoimento para o livro Guimarães, Daqui Houve Resistência.

Faleceu em 23 de Junho de 2004, com 80 anos de idade.

[Dados biográficos recolhidos do livro Santos Simões, repleto de documentação e informação inéditas, da autoria de Paulo Cunha (2013).]

[Santos Simões || Texto: Paulo Cunha || Editor: Sociedade Martins Sarmento || Guimarães - Dezembro de 2013]

[João Esteves]

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