[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 5 de janeiro de 2020

[2242.] ANTÓNIO GERVÁSIO [I] || PRESO EM 1947, 1960 E 1971

* ANTÓNIO JOAQUIM GERVÁSIO *
[N. 25/02/1927]

Filho de uma família pobre, militante do Partido Comunista desde 1945, preso três vezes (1947, 1960 e 1971), espancado em tribunal e barbaramente torturado pela PIDE, sofrendo a tortura do sono durante cerca de 400 horas aquando da última prisão, em 1971, António Gervásio foi um principais activistas da reivindicação das oito horas de trabalho para os operários agrícolas do Sul, conquista histórica alcançada em 1962, e um dos obreiros da Reforma Agrária após Abril de 1974.

[António Gervásio || 1947 [?] || in Histórias da Clandestinidade || Edições Avante!, 2016]

Filho mais velho de Josefa Maria Vedoria e de Francisco José Gervásio, um casal muito pobre de assalariados agrícolas com oito filhos, António Joaquim Gervásio nasceu em 25 de Fevereiro de 1927, em Montemor-o-Novo, no Monte da Regadia [a ficha prisional indica como data de nascimento 10 de Março].

Não frequentou a Escola e só aos 14 anos, quando já trabalhava, pôde aprender a ler. Em 1945, mal feitos os 18 anos, aderiu ao Partido Comunista por intermédio de José Adelino dos Santos, assassinado anos mais tarde, em 23 de Junho de 1958, pela GNR. Começou por distribuir o Avante! e a destacar-se nas comissões de unidade criadas nas praças de jorna.

Preso, pela primeira vez, na noite de 14 de Junho de 1947, ano em que começava a estar muito activo na reivindicação das 8 horas para os operários agrícolas, «por aliciamento às greves rurais». Na sequência de uma greve às ceifas, reivindicando-se 30 escudos diários para os homens e 20 para as mulheres, António Gervásio, que integrava os comités de greve e preparava-se para participar num plenário / reunião alargada de ceifeiros, perto da Torre da Gadanha, seria detido pela GNR. Foram presos os primeiros dez trabalhadores a chegar e levados para o posto de Montemor. Interrogado pela Guarda e, depois, pela PIDE, todo o grupo foi levado para Caxias, onde ficou cerca de cinco meses, desde 17 de Junho a 20 de Novembro: António Jacinto Patrão; António Joaquim Gervásio; António Vicente Calção; Custódio Joaquim Sequeira; Ernesto Joaquim Gomes; Jacinto Joaquim Vidigal; José Cabecinha; José Manuel Roque; Luís José Patrão.

Condenado, em 10 de Novembro de 1947, juntamente com os restantes companheiros, a cinco meses de prisão pelo Tribunal Plenário da Boa-Hora, António Gervásio saiu em liberdade em 20 de Novembro por a pena já estar cumprida.

Chamado para a inspecção militar quando estava preso, iniciou, no ano seguinte, o cumprimento dos 16 meses do serviço militar, assentando praça no Quartel de Infantaria 16, em Évora, tendo continuando com as ligações partidárias. Apesar de não ser o seu intento inicial, regressou a Montemor-o-Novo e, na sequência da ofensiva pidesca na zona, com a prisão de dezenas de militantes comunistas, António Gervásio destacou-se na reorganização partidária local.

[António Gervásio || Histórias da Clandestinidade || Edições Avante! || 2016]

Tornou-se funcionário do Partido Comunista e entrou na clandestinidade em 1952, juntamente com a mulher, Maria Lourença Calção Cabecinha [n. 1933], e o filho recém-nascido, tendo sido convencido a vencer a natural indecisão, depois de dois anos de muita reflexão, pelos dirigentes comunistas Américo Leal e Octávio Pato.

Utilizou, durante os 22 anos de clandestinidade, o mesmo pseudónimo: Lemos. Os primeiros tempos da clandestinidade foram vividos em casas diferentes de Évora, passando, depois, por casas de muitas outras localidades a Sul do Tejo. Participou, então, na organização das lutas do proletariado agrícola e desfiles contra os períodos longos de desemprego, além tarefas de ligação ao MUD Juvenil.

Depois de ter funções partidárias nos distritos de Évora e Portalegre, passou, com alguma preocupação, para o de Beja, onde viria a ser preso pela PIDE em 8 de Agosto de 1960, aquando da terceira deslocação à cidade.

[António Gervásio || 09/08/1960 || ANTT || RGP/17678 || PT-TT-PIDE-E-010-89-17678]

Levado para a sede local da PIDE, seria nesse mesmo dia transportado para a António Maria Cardoso, «onde será barbaramente interrogado, sujeito a espancamentos, 'estátua' e tortura do sono» [Luís Godinho, O Alentejo e a Luta Clandestina: António Gervásio um Militante Comunista, Edições Colibri, 2019, p. 56]. Torturado pela primeira vez, não prestou quaisquer declarações e ficou no Aljube cerca cinco meses e meio incomunicável, em isolamento total. Voltou a ser barbaramente torturado na sede da PIDE e devolvido ao Aljube sem «ser capaz de me manter em pé» [p. 61], sendo transferido para Caxias em 31 de Janeiro de 1961.

Aquando do julgamento no Tribunal da Boa Hora, em 4 de Maio, usou da palavra para denunciar as torturas que lhe tinham sido infligidas, sendo ali mesmo espancado.

Condenado a três anos e meio de prisão maior, mais medida de segurança de internamento indeterminado, de seis meses a três anos, prorrogável, regressou a Caxias ensanguentado e com equimoses.

Em 4 de Dezembro de 1961, integrou o grupo de oito dirigentes do Partido Comunista que fugiram de Caxias no Chrysler blindado oferecido por Hitler a Salazar, conduzido por António Tereso: António Gervásio, Domingos Abrantes, Francisco Miguel, Guilherme da Costa Carvalho, Ilídio Esteves, José Magro e Rolando Verdial.

António Gervásio retomou, novamente, a clandestinidade, instalando-se no Barreiro. 

Desde 1957 que era um dos activistas na luta pela conquista das oito horas nos campos do Sul, retomando-a após a fuga, com reuniões minuciosamente preparadas, decisões amplamente discutidas entre os operários agrícolas das mais diversas localidades e conseguindo abranger os ranchos vindos de fora, greves, manifestações e protestos. Esta reivindicação, muito antiga, recomeçou a ganhar forma naquele ano e culminou nas greves marcadas para o 1.º de Maio de 1962 e a subsequente vitória do fim do trabalho de sol a sol: «Era a primeira vez na história que os trabalhadores agrícolas saíam de casa com sol e regressavam com sol. [...] tinham deixado de ser bichos da noite.» [Luís Godinho, p. 96].

[Maria Lourença Calção Cabecinha || in Teresa Fonseca, A Memória das Mulheres. Montemor-o-Novo em tempo de ditadura || Edições Colibri, 2007]

Na sequência do sucesso das lutas em que se envolvera, passou, em 1963, a pertencer ao Comité Central do Partido Comunista. Com documentação falsa, saiu de Portugal pela zona de Chaves e fez um curso de formação política na União Soviética, país onde permaneceu cerca de um ano. Quando de regresso ao país, soube que a sua mulher fora presa, assim permanecendo por quase cinco anos e meio: de 12 de Abril de 1964 a 12 de Setembro de 1969.

A viver em Lisboa e com responsabilidades na estrutura partidária no Ribatejo e Oeste, a terceira prisão de António Gervásio aconteceu em 31 de Julho de 1971, na Marinha Grande, vítima de dois militantes do Comité Local que tinham passado a colaborar com a PIDE quando presos.

[António Gervásio || 03/08/1971 || ANTT || RGP/17678 || PT-TT-PIDE-E-010-89-17678]

Levado para o Reduto Sul de Caxias, onde a PIDE já realizava as suas torturas, foi submetido à tortura do sono durante 18 dias e 18 noites. Em 10 de Dezembro de 1971 foi transferido para Peniche. 


[António Gervásio || 03/08/1971 || ANTT || RGP/17678 || PT-TT-PIDE-E-010-89-17678]

Julgado pelo Tribunal Plenário de Lisboa em 22 de Fevereiro de 1972, seria condenado na pena global de 11 anos e 8 meses e medida de segurança de seis meses a três anos, prorrogável. 

[António Gervásio a sair de Peniche || 27/04/1974 || Fotografia de Ezequiel Santos]

Na sequência do 25 de Abril de 1974, os 36 presos do Forte de Peniche começaram a ser libertados às duas horas e trinta minutos da madrugada de 27, contando-se, entre eles, António Gervásio, então com 47 anos. É o recomeço de outras lutas, em liberdade, destacando-se na implementação e defesa da Reforma Agrária, uma reivindicação política antiga do Partido Comunista e uma aspiração dos trabalhadores agrícolas que nada tinham: «a terra a quem a trabalha».

Fontes:
ANTT, Registo Geral de Preso 17678 [António Joaquim Gervásio /  PT-TT-PIDE-E-010-89-17678].

António Gervásio, Histórias da Clandestinidade, Edições Avante!, 2016.

Luís Godinho, O Alentejo e a Luta Clandestina: António Gervásio um Militante Comunista, Edições Colibri, 2019.

[João Esteves]

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