[Cipriano Dourado]

[Cipriano Dourado]
[Plantadora de Arroz, 1954] [Cipriano Dourado (1921-1981)]

domingo, 14 de fevereiro de 2021

[2495.] MADELEINE PELLETIER [VII] || 16/03/1911

 * MADELEINE PELLETIER *

O jornal A Montanha, de 16 de Março de 1911, conclui a transcrição do texto de Madeleine Pelletier sobre Portugal.


«A República Portuguesa e o voto das mulheres
(Conclusão)
 
Damos hoje o resto do artigo de Madeleine Pelletier, sobre o que em Portugal viu de referente a feminismo.
Em volta do Dr. Bernardino Machado
Despedi-me do presidente; e fui ter com o sr. Machado, ministro dos negócios estrangeiros, que alguém me dizia completamente favorável ao feminino.
O sr. Machado é um patriarca: tem quinze ou dezasseis filhos. Para me provar que é feminista, estreita diante de mim as suas duas netas, uma de cada lado, formando um quadro comovente de ternura paternal; mas, como para fazer política, eu perdi a amável candura peculiar do meu sexo, isso não bastou para formar a minha convicção  e pedi esclarecimentos.
Quanto o seu Braga é claro, tanto o sr. Machado o é pouco. É, segundo diz, pelo sufrágio das mulheres; mas encontra nessa medida algumas dificuldades. Em primeiro lugar, as mulheres devem ser instruídas. Declara-se, porém, partidário de certas reformas que o feminismo tem no seu programa: vota pela abolição da prostituição regulamentada! O sr. Braga é um filósofo; o sr. Machado parece-me sobretudo um diplomata; gosta pouco de se afirmar.
Tentei ver o sr. Almeida, ministro do interior, que passa por feminista; não pude falar-lhe; e não podia esperar muito tempo, porque tinha de sair de Lisboa no próprio dia em que o procurei.
As associações secretas
Mas, tive o prazer de falar com o sr. Magalhães Lima, que é muito popular em Lisboa. É um feminista; se for eleito deputado, como espera, defenderá o voto das mulheres no parlamento português: - O sr. Lima convidou-me a uma festa organizada pelo franco-maçonaria – (de que é grão-mestre) para celebrar a república. Desde a vitória desta última, as sociedades secretas estão na ordem do dia. As livrarias põem todos os dias à venda brochuras sobre a acção do carbonarismo na preparação da revolução. Aí se mencionam o ritual, a hierarquia, as cerimónias de iniciação, até ao fabrico das bombas.
As sociedades secretas desempenharam um grande papel na proclamação da República; a Carbonária, estava organizada como um exército; todos os aderentes eram obrigados a ter armas e a saberem servir-se delas; nas reuniões ensinava-se a preparação de explosivos. Foi graças à Carbonária que o exército e a marinha em lugar de  defenderem a monarquia, passaram para os revolucionários. Nela se tinham filiado um grande número de soldados e de marinheiros, entre os quais muitos sargentos.
As bombas, que ali se designam sob o pitoresco nome de «artilharia civil» foram muito eficazes na luta; lançaram o terror entre as tropas reais.
No teatro da República, onde a festa se realizou, a franco-maçonaria e a Carbonária ocuparam os lugares de honra. No palco, uma centena de homens ostentando cordões multicolores; entre eles, uma mulher. A minha ignorância da língua impediu-me de compreender os discursos, mas regozijou-me o entusiasmo daquela multidão. Levam em triunfo o grão-mestre da franco-maçonaria, o grão-mestre da Carbonária e vários outros chefes. Vários projecteis atravessam o espaço; mas são apenas bouquets de rosas.
O partido feminista
Além dos governantes, necessitava de conversar com os militantes do feminismo; não deixei de o fazer.
Não há em Lisboa um partido feminista propriamente dito. As mulheres estão agrupadas na «Liga  das Mulheres Republicanas, na loja feminina «Humanidade» aderente ao Grande Oriente português e no «Livre-Pensamento». Por ocasião do estabelecimento do governo provisório, uma delegação dessas sociedades foi pedir-lhe o direito de voto.
As damas com quem estive deixaram-me uma boa impressão; não encontrei feministas «entravées», como se encontram muito frequentemente em França, para prejuízo da nossa causa. Esquecia-me dizer que foram os chefes radicais que superintenderam na selecção das sociedades femininas; eliminaram delas todas as mulheres de costumes equívocos. A Liga das Mulheres Republicanas e a loja feminina foram, com efeito, criadas por homens. Inspirando-se no exemplo dos clericais que empregam as mulheres quiseram também utilizá-las. E foram bem sucedidos: as mulheres republicanas auxiliaram muito os preparativos da revolução, a «conspiração», como dizem os portugueses. Esperamos que as recompensarão dos seus esforços concedendo-lhes direitos cívicos.
As direcções dessas sociedades são formadas de intelectuais: médicas, professoras, estudantes, preceptoras. D. Castro Osório, presidente da Liga, é uma escritora de renome.
Essas damas, contudo, são um pouco frouxas nas suas reivindicações. Bem acolhidas por altos personagens, numa cidade não muito grande onde toda a gente se conhece, confiam nos polidos compromissos dos governantes que, ali como em toda a parte, pensam principalmente em defender-se no poder.
As portuguesas, como todas  as mulheres, imaginam de muito boa vontade que os governantes lhes apreciam essa discrição e que lhes saberão marcar o seu lugar; mas enganam-se. Os que aconselham às mulheres que «fiquem no seu sexo», isto é, que se coloquem à margem da vida social, são adversários do feminismo. Muitas vezes, é certo, dizem-se seus amigos; a  sua oposição, porém, por ser mascarada, ainda mais temível é. A expressão «ficar mulher» não tem sentido, se se toma à letra; necessariamente, cada um fica no seu sexo, como fica com a sua estatura, a sua configuração anatómica, a sua inteligência. No sentido social, ficar mulher é ficar escrava, é guardar atitudes e hábitos que, criados para a servidão, não poderiam convir à liberdade. As mulheres não têm mais obrigações sexuais quanto aos homens, do que estes para com elas. Cada um tem o direito de fazer o que deseje, e se as feministas se recolhem ao isolamento, a sua causa será sempre desprezada pelos homens. Um partido só é considerado quando é activo. 

O socialismo em Portugal
Socialista, fui naturalmente ver o meu partido. Uma parte dos seus adeptos, arrastada pelos acontecimentos, passou-se para a República; os chefes ficaram com uma pequena elite de militantes. Havia descontentamento com o governo no campo socialista;: acha-se a república muito burguesa. Creio que os chefes republicanos dispensaram o concurso dos chefes socialistas para preparar a revolução; e agora gozam o triunfo insolente, e olham muito de cima o partido da classe operária. Talvez isso seja um mau caminho. «Vede, dizia-me um cidadão pacífico, os operários não estão contentes, o governo não cumpre as suas promessas. Prometeu-lhes o dia de 8 horas, as reformas operárias; assegurou-lhes que o preço do bacalhau, que é o prato nacional, diminuiria e o preço do bacalhau não diminuiu; é mesmo mais caro que sob a monarquia. Ah! o governo não se importa com o quarto estado!» 
N. da R. – Neste capítulo, a articulista fez-se eco de ridículas acusações. É para se ver como lá fora  sabem estudar-nos...  
Há mulheres socialistas; mas, agrupadas no terreno sindical; apenas tratam de interesses cooperativos. À testa das suas organizações vi algumas pessoas inteligentes, mas que não valem as burguesas do feminismo radical.
Em resumo – O feminismo talvez passe
Em suma, a força do feminismo está na elite intelectual da nação: um grupo de homens e de mulheres que, instruídos, cultos, ao corrente de todas as questões que agitam o mundo, souberam libertar-se dos preconceitos seculares. Se o sr. Braga pedisse de repente o sufrágio universal para as mulheres, uma força desse género seria completamente insuficiente; as prevenções das massas populares aniquilar-lhes-iam o efeito; mas, como o projecto do governo provisório não se aplica senão a uma elite restrita de mulheres, é muito provável que passe.
E quando as portuguesas tiverem voto, talvez se pense em no-lo dar a nós. É desnecessário pedir à França d’hoje que seja a iniciadora dos outros países nas grandes ideias; mas talvez seja um ponto d’honra o lembrar-lhe que já que nisso não é a primeira das nações, ao menos não seja a última.».

[A Montanha || 16/3/1911]

[João Esteves]

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